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sábado, novembro 04, 2006
OUTRORA BONECA
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Varia a pele, a condição, mas a alma da criança
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Varia a pele, a condição, mas a alma da criança
é a mesma – na princesinha e na mendiga. E para
ambas é a boneca o supremo enlevo.
Monteiro Lobato
Ela era muito pequena, usava vestido encardido e tinha o cabelo cheio de nós, mas era uma boneca adorada por sua dona, uma menina também pequena, de vestido encardido e cabelo cheio de nós. Aonde a menina ia, a boneca ia junto; e eram tão parecidas que às vezes eram confundidas: quem era a menina e quem era a boneca?
ambas é a boneca o supremo enlevo.
Monteiro Lobato
Ela era muito pequena, usava vestido encardido e tinha o cabelo cheio de nós, mas era uma boneca adorada por sua dona, uma menina também pequena, de vestido encardido e cabelo cheio de nós. Aonde a menina ia, a boneca ia junto; e eram tão parecidas que às vezes eram confundidas: quem era a menina e quem era a boneca?
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Mas uma inocência dessas em uma terra tão miserável, em que até os sentimentos podem ser miseráveis, logo o pai da menina se indignou: “Brincar com boneca não traz dinheiro para casa”. E chamou um homem, conhecido por “Doutor”, que daria um futuro àquela menina na capital – lugar a que muitos chegam, impulsionados pelo sonho, e de onde não saem, agrilhoados à realidade.
Mas uma inocência dessas em uma terra tão miserável, em que até os sentimentos podem ser miseráveis, logo o pai da menina se indignou: “Brincar com boneca não traz dinheiro para casa”. E chamou um homem, conhecido por “Doutor”, que daria um futuro àquela menina na capital – lugar a que muitos chegam, impulsionados pelo sonho, e de onde não saem, agrilhoados à realidade.
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A menina só levou o que tinha: a boneca. Na casa em que a hospedaram, havia outras meninas, mas nenhuma tinha o olhar da sua boneca, nem o vestido encardido, nem o cabelo emaranhado. Imediatamente, ela, a menina, também teve que pentear os cabelos, trocar a roupa e maquiar-se. Passou a andar pelas ruas, a receber caronas de homens maiores que ela, a tocar em dinheiro, coisas que nunca havia feito antes. A boneca já não podia acompanhá-la. Ficava no quarto, aguardando, cheia de saudades, a dona que antes era tão presente, tão carinhosa, tão igual a ela.
A menina só levou o que tinha: a boneca. Na casa em que a hospedaram, havia outras meninas, mas nenhuma tinha o olhar da sua boneca, nem o vestido encardido, nem o cabelo emaranhado. Imediatamente, ela, a menina, também teve que pentear os cabelos, trocar a roupa e maquiar-se. Passou a andar pelas ruas, a receber caronas de homens maiores que ela, a tocar em dinheiro, coisas que nunca havia feito antes. A boneca já não podia acompanhá-la. Ficava no quarto, aguardando, cheia de saudades, a dona que antes era tão presente, tão carinhosa, tão igual a ela.
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Quando finalmente a menina podia voltar ao seu quarto, tarde da noite, ainda fazia um agrado na boneca; às vezes, até dormia abraçada a ela, mas no fundo sentia remorso por não ter mais aquele vestido, aquele cabelo e, principalmente, aquela amizade de outrora.
Quando finalmente a menina podia voltar ao seu quarto, tarde da noite, ainda fazia um agrado na boneca; às vezes, até dormia abraçada a ela, mas no fundo sentia remorso por não ter mais aquele vestido, aquele cabelo e, principalmente, aquela amizade de outrora.
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Comments:
Era para a citação do Monteiro Lobato ficar mais à direita. Não consegui fazer isso pelo blogspot. Paciência!
Uma citação que adorei ter lido esta semana, no www.avodka.blogspot.com : "Um domingo de tarde sozinha em casa dobrei-me em dois para a frente - como em dores de parto - e vi que a menina em mim estava morrendo. Nunca esquecerei esse domingo. Para cicatrizar levou dias. E eis-me aqui. Dura, silenciosa e heróica. Sem menina dentro de mim".
É da Dona Clarice. A Lispector.
É da Dona Clarice. A Lispector.