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quinta-feira, agosto 06, 2009

O PRÊMIO É PRA QUEM LÊ (E PRA QUEM NÃO VÊ NOVELA)
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Um país tem esperança (deve ter!) quando pessoas simples (de profissão simples, que não exige faculdade, ou então donas de casa) lêem em vez de ver "novela das oito".
Na Minha Aldeia, em um dos ônibus que costumo pegar, o cobrador está sempre lendo. E não são quaisquer livrinhos, não! Já o vi lendo clássicos! Um dia o vi sem livro e perguntei se ele o tinha esquecido. O cobrador respondeu: saí com pressa e acabei esquecendo o livro em casa. Estou agoniado! Detalhe: ele lê quase que um livro por semana!
Hoje, ouvi uma manicure falar com português impecável. Disse, por exemplo: aquele é um lugar com o qual não simpatizo. "Com o qual"! Parabéns! E ela ainda falou que durante um tempo só usou determinado esmalte porque uma atriz de novela o estava usando. Mas ela se justificou (sem eu ter feito nenhum comentário ou cara feia diante da palavra "novela"): eu nem vejo novela, mas como as pessoas pedem o esmalte, fico sabendo dessas coisas.
Mas houve um episódio que há tempos queria contar. E já vou adiantando que vou rasgar elogios à minha avó, mas não é porque ela é minha avó, não... Se fosse com outra senhora, estaria orgulhosa do mesmo jeito.
O episódio é este: minha avó foi ao teatro com as amigas dela. (Essas amigas costumam alugar uma van e ir a teatros. Mais seguro, dizem, e mais cômodo, já que moram no Rio de Janeiro). Na peça (que agora eu não lembro o nome...), no finalzinho, a atriz disse que quem adivinhasse o autor do poema que ela ia declamar, ganharia uma bolsa de um estilista famoso (agora também não vou lembrar o nome do artista. Acho que tenho a memória muito seletiva).
O poema era este:
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POEMA DE FINADOS
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Amanhã que é dia dos mortos
Vai ao cemitério. Vai
E procura entre as sepulturas
A sepultura de meu pai.
Leva três rosas bem bonitas.
Ajoelha e reza uma oração.
Não pelo pai, mas pelo filho:
O filho tem mais precisão.
O que resta de mim na vida
É a amargura do que sofri.
Pois nada quero, nada espero.
E em verdade estou morto ali.
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Na hora, minha avó falou baixinho pra uma amiga: Ah! É Manuel Bandeira. Mas ninguém ouviu, e a platéia começou a dar seus palpites: Carlos Drummond. Murilo Mendes. Cecília Meireles. E a cada "chute", a atriz negava. Não. Não. Não. A amiga da minha avó disse pra ela falar mais alto, e minha avó falou. A atriz confirmou: é do Manuel Bandeira! E fez a minha avó subir ao palco. Ali em cima, de frente para a platéia, a atriz perguntou (vixi, também não lembro o nome da atriz...) à minha avó em que que ela era formada, se ela tinha feito alguma faculdade, ao que a minha avó respondeu:
- Não, eu só terminei o colégio porque me casei cedo. Eu sou apenas dona-de-casa, mãe e vó.
- E como você sabia que era do Manuel Bandeira?, perguntou a atriz.
- Ele é o meu poeta favorito. E gosto muito deste poema, declarou minha "abuelita".
Parece que a atriz ainda perguntou pra minha avó se ela sabia mais algum poema do Bandeira e minha avó recitou um que também sabia de cor. A platéia a aplaudiu e ela ganhou a bolsa (*). Na saída, pessoas que estavam no teatro parabenizaram a minha avó. Ela ficou contente com o presente. E eu, bom... eu fiquei orgulhosíssima! Uma avó, mãe e "simples" dona-de-casa" sabia mais que a sociedade cult da cidade! Meus irmãos comentaram: Capaz de ela nem saber o poeta se tivesse feito faculdade. Pois é....
Esses exemplos mostram como deve ser a leitura: algo extremamente natural. Livro é pra ser lido em ônibus, em casa, na cozinha, no sofá, na cama, de dia, de tarde, de noite. Pelo prazer da companhia do livro, pelo prazer de ler. Quem lê só pra dizer que é culto nunca vai saber quem é o autor do poema. Quem deixa de ler livro pra ver novela, muito menos. E ainda vai deixar de ganhar o prêmio.
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(*) Minha avó disse que quando passava pela loja desse artista, sempre "namorava" as bolsas dele. Mas são tão caras...
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