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sexta-feira, abril 23, 2010

COMO O BOM VINHO DECOBRIU QUE SE BASTAVA A SI MESMO (OU: MAIS UM POST ESTE DIA)
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O bom vinho, quer dizer, ele ainda não era tão bom assim, na verdade ele era só um novo vinho. Então, o novo vinho chegou já querendo contar pra todo mundo que era bom. Ficara alguns dias na uva, depois, alguns dias descansando, após ter sido pisoteado, e, não se agüentando mais, queria porque queria ser bebido, experimentado e reconhecido. Sabe criança ansiosa? Pois era o tal vinho. Quando chegou na despensa, todos aqueles vinhos velhos, cochilando como reis, viram o gurizinho chegar todo assanhado. Os velhos, Romanée-Conti, Biondi Santi, dentre outros da realeza, somente olharam de esgüelha, pensando com seus botões, ou melhor, com suas rolhas: esse aí ainda tem muito o que aprender...
Pois o novato queria puxar papo. E todo assunto que começava a discutir, ele dizia: "posso dizer que já sou muito bom nesse assunto", ou então: "eu sei que sou melhor que eles", ou ainda: "atingi um grau de sabor e de saber, que, de agora em diante, posso viver disso". As pessoas, ops, os vinhos ao redor nem discutiam mais, até porque, para mostrar que tinha razão em um debate, o vinho novo argumentava: "eu já sei tudo sobre isso, estudei profundamente o assunto, e já posso dizer que sou um profundo conhecedor". Os vinhos velhos se cansaram de conversar com o vinho novo, e se cansaram, também, de ouvir ele - porque as pessoas não botam fé em vinho que já vem falando o quanto é bom; ele até pode ser mesmo, mas perde toda a graça, e ninguém fica com vontade de descobrir se é bom de verdade. O vinho novo mal chegara e já perdera a graça; não deixava nenhum talento escondido, para que os outros descobrissem e se surpreendessem sozinhos.
Mas o vinho novo, assim como já acontecera uma vez com os vinhos velhos, teve que se deitar na despensa. E ouviu de seu dono: você vai ficar aí por 30 anos, sem nenhum pio. Daqui a 30 anos a gente volta a conversar.
E foi o que aconteceu: sem poder conversar, sem poder contar mais sobre os seus próprios talentos, sem poder argumentar, dizendo que já era bom naquele assunto, o vinho novo foi entrando para o ostracismo. Ninguém mais falava nele, ninguém nem sabia quem era ele. Teias de aranha foram se acomodando ao seu redor. E os anos se passaram...
Trinta anos depois, voltou o dono daquele vinho e o retirou da despensa. O vinho estava apático, meio desesperançoso. Não se animou muito. O dono dos vinhos viera acompanhado por um senhor: era um enólogo, que faria o grande teste:
Serviu-se, deu aquela mexidinha na taça, olhou o vinho, sentiu o aroma, colocou-o na boca e... divino! Divino este vinho! Como que eu nunca ouvi falar nele?
O vinho novo, que não era mais tão novo, ficara surpreso: como é que ele poderia ser bom se, durante trinta anos, ficara ali, escondido do mundo, sem provar pra ninguém que era bom?
Mas é que a surpresa de descobrir, sozinho, algo bom torna esse bom ainda melhor. E foi daí que o vinho descobriu que é feio, é sem graça, é chato, ingênuo e vaidoso ficar dizendo que é bom. Bom vai ficar se ficar em silêncio, "adormecido" aos olhos dos demais. Na hora certa, descobrirão seu valor, pois o bom vinho se basta a si mesmo. Não precisa de propaganda, muito menos propaganda de próprio punho sobre si mesmo. Foi o que o vinho novo descobriu, agora velho e bom vinho.
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