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sexta-feira, março 30, 2012

OS PERSONAGENS DA JANE AUSTEN JAMAIS FARIAM UMA COISA DESTAS. OS LEITORES DA DIGNÍSSIMA TAMBÉM NÃO. - ou: conclusões a que cheguei lendo o livro  Aprendi com Jane Austen - como seis romances me ensinaram sobre amor, amizade e as coisas que realmente importam, de William Deresiewicz.
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(foto retirada do blog do Reinaldo Azevedo).

Estava tomando o meu chá das cinco (brincadeira! estava tomando uma tigela de açaí com granola e banana! hum...) quando vi essa foto. Comentei com o meus botões: "o tempora, o mores! Cadê a educação desse guri? Cuspir em velhinhos não se faz! Que coisa feia!" E antes de sorver outra colherada do meu delicioso açaí, meneei a cabeça de modo melancólico, dizendo aos botões: "Os personagens da Jane Austen jamais fariam uma coisa dessas..."
É, porque os personagens da digníssima, por mais vis que fossem, eram incapazes de perder a classe, incapazes de perder a elegância - tão sumida nos nossos dias.
E fora que, cá entre nós e os meus botões: é ridículo um garoto se inflar todo por uma causa que nem é a causa da época dele (vejam a notícia no blog do Reinaldo) - pode ter sido a causa do seu professor de história da faculdade, mas esse professor já tem uns 60 anos... 
Se eu fosse a mãe desse guri, eu lhe diria para estudar, trabalhar, ter humildade (*) e...ler Jane Austen!
Não estou brincando. Agora, quem me reforça essa convicção de que Jane Austen ajuda a formar o ser humano é o William Deresiewicz.
Explico melhor!
Acabo de começar a leitura deste livro:




















E já não consigo mais largá-lo. Ainda estou no primeiro capítulo, mas é desses livros que entram para a lista de "melhores livros do ano", sem dúvida. Ele é bem escrito, além de profundo no conteúdo. É um desses livros que eu sublinho bastante e, quando não estou com lápis, faço as orelhas de burro pra marcar as passagens de que mais gosto. E olha: tem muuuitas passagens boas!
Nesse primeiro capítulo, Deresiewicz conta como ele, um arrogante acadêmico do curso de letras, afirmava que jamais leria Jane Austen por se tratar de uma literatura baixa,"de mulherzinha". Até que um professor o obrigou a ler EMMA. "Emma? Aquela garotinha fútil, aquele livro que só conta fofoca?", desdenhou William. (First impressions, diria a digníssima...)

William Deresiewicz iniciou a leitura brigando com o livro, rogando pragas à autora e querendo cometer harakiri! Mas...aos poucos, ele foi percebendo:

Tinha verdades muito importantes a contar, mas as ocultava em embalagens modestas. Sua "pequenez" era na verdade uma ilusão de óptica, um teste. Jesus falava em parábolas de modo que seus discípulos tivessem de fazer um esforço para entendê-Lo. A verdade, como Ele bem sabia, não pode ser compreendida de outra maneira. Austen me fez lembrar de algo que Platão disse a respeito de seu grande mentor, Sócrates, que também ensinava por meio de histórias: "Suas palavras eram ridículas quando ouvidas pela primeira vez, porque ele falava de pés de chinelo, ferreiros, sapateiros...de tal modo que gente ignorante ou sem experiência pode se sentir propensa a rir dele; mas quem vê o que está dentro descobrirá que elas são as únicas palavras que fazem sentido, e contêm a sabedoria divina."

O interessante do livro é que, além de ir percebendo o valor da obra da Jane Austen, Deresiewicz conta que ele também vai mudando. É como se ele estivesse cego em sua soberba juvenil, se achando esperto por querer mudar o mundo, e começasse a notar o mundo ao seu redor, as pessoas, a água molhada, o céu azul...Ou seja, Jane Austen lhe ajuda a abrir os olhos para a realidade e, mais ainda, a amar a realidade em que se encontra, a respeitá-la, a levá-la a sério.  E levando a vida a sério, ele começa a levar a sua própria vida a sério. 

Neste trecho, o autor faz um depoimento que me emocionou - estava dentro do ônibus e tive que me controlar (Pode ter acrescido o fato de que, minutos antes, tive duas notícias que me emocionaram, notícias que mostram como a nossa realidade já tem seus próprios dramas, alegres e tristes: a de um casal que está se reconciliando, depois de uns trinta anos casados e uns dois anos separados e a de uma boa amiga da família que acaba de receber a notícia de que terá que enfrentar uma doença.):

Prestar atenção nos "mínimos detalhes" é perceber sua vida enquanto ela está passando, antes que ela passe. Mas compreendi que também é algo mais. Ao falar de seus pequenos assuntos do dia a dia (...), os personagens de Emma nada mais estavam fazendo que se agarrar à vida. (...)
Mais uma vez, era Emma quem tinha problemas com isso. (...) ela estava em busca de ação e aventura, mas tudo que acabava fazendo era se afastar das pessoas a seu redor. E, em consequência, se afastou de si mesma. (...) Tal como eu, ela era insensível. Não era capaz de sentir o que sentia, ou de saber o que queria. 
Mas Emma finalmente aprendeu que a vida cotidiana não é somente mais prazerosa - e mais dramática - do que ela poderia ter imaginado, é também mais prazerosa e mais dramática do que qualquer outra coisa que ela imaginara, quaisquer de suas tramas ou fantasias. Com estas, ela apenas brincava de sentimento. Mas é na velha vida aborrecida e trivial do dia a dia que reside verdadeiramente o sentimento. (...)
A vida de Emma finalmente se tornou real para ela, e lendo a respeito de sua vida senti a minha finalmente se tornando real para mim. Não dava mais para passar meus dias feito um sonâmbulo. Ler Emma, ser levado a considerar as vidas de personagens como Harriet Smith e Jane Fairfax com a mesma seriedade com que eles próprios o faziam - não as vidas repletas de emoções de heróis e heroínas, com as quais era tão agradável se identificar, ou as vidas glamourosas de celebridades, cuja leitura trazia tanto divertimento, ou as vidas impressionantes de alguns dos figurões com quem eu me dava, ainda que remotamente, e que me faziam sentir importante, mas as vidas de todos os dias de gente comum, que têm importância pelo simples motivo de que são vidas - fizeram com que eu finalmente começasse a levar minha própria vida a sério.
Não que eu não tivesse levado sempre a sério meus planos e minhas altas ambições - claro que tinha. O que não levava a sério eram os pequenos acontecimentos, os breves instantes de sentimento, dos quais, afinal, minha vida consistia.
(...)
Se comecei a levar minha vida a sério pela primeira vez, também comecei a levar o mundo a sério. Mais uma vez: eu teria ficado surpreso com a ideia de que não levava com a seriedade devida. Eu não me preocupava sempre com as grandes questões - da política, da justiça social, do futuro? (...) Austen me ensinou um novo tipo de seriedade moral - ela me ensinou o que significa de fato seriedade moral. Significa assumir a responsabilidade pelo pequeno mundo, não o grande. Significa assumir a responsabilidade por si próprio.
Depois que li Emma, minha vida começou a adquirir uma sensação de solidez que eu nunca havia experimentado antes. Foi como um desses momentos memoráveis em que olhamos para o mundo à nossa volta e o vemos efetivamente pela primeira vez, sentimos sua presença como uma realidade e não apenas como um punhado de conceitos: a água é realmente molhada, o céu é realmente azul, este mundo é realmente o único que temos. (...)

Vejam, eu ainda estou no primeiro capítulo e já comentei tudo isso com vocês. Ainda tem muitas outras coisas que quero compartilhar aqui, tamanha a riqueza desse livro. Desde já, recomendo ele para todos: para quem ama Jane Austen e para quem acha que Jane Austen é "literatura baixa, de mulherzinha". 
Recomendo, também, para quem está querendo ler um livro de alta ajuda. O testemunho de William Deresiewicz sobre as mudanças por que passou após o seu encontro com Jane, trazem sábias lições que podemos usar em nossas vidas!

(*) Bom, se eu fosse a mãe desse guri, eu diria um monte de coisas, no melhor método jesuítico de repetição, até ele aprender: dar bom dia às pessoas, incluindo o motorista e o cobrador do ônibus; dar lugar aos mais velhos no ônibus; dizer "obrigado"; dizer "por favor"; sorrir; não ser "azedo", nem grosseiro com as pessoas; saber se comportar socialmente etc, etc, etc
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Esse depoimento de William Deresiewicz me lembrou de uma pequena oração que tenho no mural do meu quarto, que diz assim: 

Querida Santinha de Lisieux, fazei que sejamos sempre simples e saibamos valorizar a missão que o Senhor nos dá dentro da realidade em que nos encontramos.

Acho importantíssimo o que está contido nessa oração porque ter sonhos de grandeza é fácil; difícil mesmo é viver o dia-a-dia, cumprindo a nossa Missão, com suas missões diárias - ainda que, aparentemente, possam parecer insignificantes.
(Um adendo: Santinha de Lisieux é Santa Terezinha. Dizem que foi a santa mais simples e mais sábia de todos os tempos.)

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Ah! Viram por que um leitor da Jane Austen jamais cuspiria num velhinho? 

Bom, mas se ler Jane Austen é exigir muito, bastava ler, pois nem isso o brasileiro está fazendo. É o que diz a pesquisa feita pelo Instituto Pró-livro. Vejam aqui. (O tempora, o mores...).

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