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segunda-feira, março 26, 2012

TEXTO DE 1982 (!), PUBLICADO NA REVISTA SELEÇÕES, QUE UM GRANDE AMIGO ENVIOU. VALE A PENA LER!



O HOMEM   “ATUALIZADO”  NÃO  SABE   DE  NADA.
(Daniel J. Boorstin) 
  
Os bem informados entopem a cabeça com dados e histórias à toa, deixando pouco espaço para os conhecimentos de que realmente precisam.

         Há uma inflação de que ninguém fala e que dispersa a nossa mente. Chama-se “informação”. De manhã à noite, a informação inflaciona o nosso espírito, enche o nosso cérebro e impede-nos de refletir sobre os problemas do nosso tempo. Na TV e no rádio, nos jornais da manhã e nas leituras por computador, inconsistentes “pedaços” de informação inundam-nos e confundem-nos. Este dilúvio de mensagens daqui e dacolá acaba preenchendo cada recanto do nosso consciente e simplesmente expulsa o conhecimento e a compreensão.

         Enquanto o conhecimento é metódico e cumulativo, a informação é lançada ao acaso, e heterogênea. Acaba que as indústrias de informação tranqüilamente florescem, enquanto as nossas indústrias de conhecimento (escolas e bibliotecas), estas andam de rastro.

         Facilmente esquecemos que o livro é talvez o maior triunfo da tecnologia. Traz até a nossa cabeceira ou o nosso escritório as próprias palavras de Homero, de Platão, de Maquiavel, de Dickens. A partir de Gutenberg, os mortos puderam falar... para milhares, depois para milhões de pessoas. “Se a invenção do navio foi considerada tão nobre”, como em 1605 anotou Francis Bacon, “pois que transportava riquezas e bens de um lugar para outros”, devemos exaltar muito mais os livros, “que, tal como os navios, atravessam os vastos oceanos do tempo, e fazem  que épocas tão distantes partilhem o saber, as descobertas e as invenções uma das outras. “Os livros têm sido a memória coletiva, o catalisador e o incentivo para grande parte do saber da raça humana.

         Passando em revista algumas das características dos livros, podemos descobrir a natureza particular que distingue o conhecimento, da informação:

         Os livros perduram. Muito depois de os jornais de hoje terem forrado as nossas latas de lixo, os livros de hoje continuarão nas nossas estantes, como dádivas bem-vindas. A literatura, empregando a frase de Ezra Pound, é “notícia que continua sendo notícia”. Em contrapartida, os triunfos dos nossos meios de informação são os seus furos jornalísticos, que, numa corrida louca, nos trazem “notícias” uns antes dos outros. Enquanto os livros, que são veículos do saber, permanecem pela sua durabilidade, os meios de informação simplesmente assentam no efêmero.

         Os livros são cumulativos. Um novo livro de Saul Bellow dá-nos vontade de ver os seus outros romances. Quando lemos a história universal de Arnold Toynbee, queremos saber o que H. G. Wells ou Oswald Spengler tinham a dizer. A obra de Einstein incita-nos a ler Newton, Galileu, Copérnico e Ptolomeu. O conhecimento novo se soma ao antigo. Já a informação mais recente desloca a precedente; o jornal de hoje nos lembra simplesmente como o de ontem estava errado ou incompleto.

         Os livros têm um objetivo. Um livro fala-nos de uma coisa. Os meios de informação falam-nos de tudo. As bibliotecas catalogam os seus livros por assuntos, mas os nossos jornais e noticiários giram normalmente à volta de quando, não do quê. Cobrem absolutamente tudo que tenha acontecido desde ontem.

         Os livros constroem uma tradição. Eles são os marcos da civilização. Enriquecemo-nos ao descobrir e redescobrir os nossos grandes livros e, depois, quando escrevemos livros melhores, que atinjam mais pessoas, de modo mais profundo e mais duradouro.

         É evidente que todos precisamos de informação. Precisamos dela enquanto cidadãos, pais e consumidores. Os nossos cientistas e tecnólogos precisam dela para se manterem atualizados, para preservarem as suas faculdades intelectuais, para não terem de inventar de novo a roda. A informação protege-nos dos ditadores, dos tiranos e dos escroques.

         O problema não é que a informação seja inútil, mas sim que ela se espalhe demasiado depressa e nos faça submergir. Pior ainda, este tipo de informação torna-se um vício. A nossa sede de informação, por seu lado, a faz proliferar.

         Como conseqüência, desenvolveu-se nossos tempos uma espécie humana muito particular, já não Homo sapiens, mas Homo atualizadus, maravilhosamente bem informado, mas lamentavelmente ignorante. Ele conhece os tiques dos presidentes, as gafes das celebridades, as ameaças das subidas de preço da OPEP; mas pode sentir-se inteiramente perdido nos meandros do conhecimento, da política exterior, da economia ou da tradição política.

         A minha receita pessoal contra esta inflação em nossa massa cinzenta baseia-se na premissa de que o valor de qualquer informação é geralmente determinado pelo tempo que medeia entre a sua concepção e a sua publicação. Isto significa que, normalmente, os livros têm mais valor que as revistas; estas, mais valor que os jornais; e estes, mais valor que os noticiários de TV ou de rádio.

         Cada um de nós pode iniciar um programa para se livrar do vício da informação, deixando de ler o jornal de vez em quando e não vendo o telejornal durante um dia ou dois, passando progressivamente a ler o jornal e a ver as notícias na TV apenas uma vez por semana. Em substituição, pode-se ler um semanário noticioso. Em breve, você descobrirá que cada vez sente menos a falta das doses de notícias intercalares, e acabará mesmo por não sentir falta nenhuma delas. Enquanto isso, poderá encher o seu consciente com saber, lendo mais livros!

       ( artigo publicado na revista Seleções do Reader  Digest, em dezembro  de 1982, portanto, há quase trinta anos, porém, sempre atual ).

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