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domingo, dezembro 02, 2012

"UMA CHUVA TORRENCIAL QUE SE TRANSFORMA EM LUZ"
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Um dos melhores livros que li este ano chama-se A ELEGÂNCIA DO OURIÇO, de Muriel Barbery. Já tinha ouvido falar (bem) dele algumas vezes, mas parece que, para os livros, também vale aquele aforismo de que tudo tem a hora certa.
Só agora o li, e me fez uma ótima companhia.
A Elegância do Ouriço tem um humor delicioso, meio sarcástico, muito inteligente. Tem umas tiradas ótimas: no estilo, na escrita, nos diálogos, nas cenas. Você termina de ler um capítulo e já quer pular para o próximo. 
Dia desses, eu levei esse livro ao médico e fiquei mais de uma hora esperando para ser atendida. Para vocês terem uma idéia, os pacientes ao redor já estavam impacientes, mas eu estava adorando aquela demora, só para continuar lendo. Ficava rindo por dentro, me deliciando com a escrita e com a demora. Na companhia desse livro, nem percebia o tempo passar.

A história é sobre uma concierge que trabalha em um prédio de ricaços em Paris. O drama dessa concierge é ser extremamente culta, mas ter que esconder isso dos moradores, pois não "cairia" bem alguém da classe dela ter tanta finesse e tantos conhecimentos literários. Isso por si só já é engraçado porque ela se passa por uma concierge bem caricata: finge que é mal humorada, mal educada, impaciente, ignorante. (Por exemplo, ela deixa a televisão ligada o dia inteiro só para que os moradores pensem que ela só faz isso na vida: assistir a tv). Como os condôminos não têm a mesma vida interior que ela, eles não têm a sensibilidade para notar quem é a concierge de verdade.
Paralelamente à vida dessa senhora, há a vida de uma jovem, moradora do prédio, que pensa em se matar. E embora ela tenha tendências suicidas, devo adiantar que é dela algumas das passagens mais engraçadas do livro. Como quando ela vai ao psicanalista da mãe e o enerva. (Porém, depois de ter feito o seguinte comentário:
Mamãe anunciou ontem à noite, no jantar, como se fosse um motivo para o champanhe correr a rodo, que fazia dez anos exatos que ela havia começado sua "aanáálise". (...) O que mamãe não diz é que também faz dez anos que toma antidepressivos. Mas, visivelmente, não liga uma coisa à outra. Acho que não é para aliviar suas angústias que toma antidepressivos, mas para suportar a análise.)
Essa jovem suicida se sente um peixe fora d'água na sua família e na escola, assim como a concierge se sente um peixe fora d'água no prédio (e na vida também).
Lá pela metade do livro chega um novo morador, o senhor Kakuro Ozu, que faz amizade com a jovem e percebe, de cara, que a senhora gosta de ler Tolstoi. A partir daí, o destino das duas muda...Só que mais não conto para não estragar a surpresa.

Além das tiradas geniais e engraçadas, A Elegância do Ouriço tem, também, passagens muito poéticas. Algumas eu li e reli, para absorver bem. Uma delas, já no final do livro, é quando a concierge passa por um momento maravilhoso, desses que podemos chamar de Milagre, e ela faz a seguinte reflexão:
O que é preciso viver antes de morrer, agora eu sei. Pois é: posso lhes dizer. O que é preciso viver antes de morrer é uma chuva torrencial que se transforma em luz.
A metáfora da chuva torrencial seguida de luz é maravilhosa. A vida vem no seu fluxo medíocre, sem nenhuma emoção, mas, quando é para vir o Milagre e mudar tudo, antes vem a chuva torrencial. É como se a luz só fosse realmente percebida se a escuridão a precedesse, e a chuva fosse para limpar tudo: a sujeira, o mofo, as mágoas, os medos. Daí vem a calmaria, a vida flui, e a gente já não faz mais nenhum esforço para (sobre)viver: simplesmente vive.

E se eu contar para vocês que li essa passagem em um dia que teve chuva torrencial e, mais para o fim da tarde, a luz apareceu? É o tal do aforismo que diz que "tudo tem a hora certa": li o livro na hora certa e li o capítulo no dia certo. 
Terminar domingo com um ótimo livro e com essa sensação de sincronia perfeita, revigora o ânimo para começar a semana.
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