<$BlogRSDURL$>

sexta-feira, julho 26, 2013

"Papai, que é plebiscito?" 


Essa noite tive um pesadelo: vi duas pessoas em um hospício brasileiro. Elas não eram malucas, mas estavam amordaçadas naquela camisa de força. Imaginem a agonia delas! Elas querendo sair, mas tendo que ficar presas, sem ninguém para as socorrer.
Uma delas, um homem de seus 40 anos, em um determinado momento, gritou:
-Eu não sou maluco!
Daí veio um médico cubano e lhe deu uma injeção.
A outra pessoa, também completamente sã, falou, se debatendo dentro da camisa:
- Eu não quero plebiscito! Eu nem sei que porcaria é essa! E eu não sou maluco! Só disse que queria o fim da roubalheira no Congresso!
Novamente, o tal médico cubano veio, deu uma injeção, e o rebelde "paciente" adormeceu, acordou três dias depois, virou petista e começou a pedir médicos estrangeiros e plebiscito.
Então, fui eu que fiquei agoniada, me debatendo na cama, por ver essa situação, sem poder fazer nada, até que eu acordei assustada, suada, desesperada...mas, ufa!, foi só um sonho!
...
Mais ou menos, né?! Porque qualquer pessoa que esteja acompanhando os protestos (que prosseguem nas redes sociais) deve pensar o mesmo: querem nos tratar como loucos!
Primeiro, a questão dos médicos. Todo mundo está se posicionando contra a vinda de médicos estrangeiros, provando que o que faltam não são médicos, mas medicamentos, instrumentos cirúrgicos, macas etc. Mas vem o pessoal do governo e diz que "a população está pedindo mais médicos". O quê? Vocês (do governo!) estão ouvindo bem? Tragam otorrinos para esses políticos!
Segundo, é a questão do plebiscito. Agora saiu no jornal que a presidanta, por estar ouvindo os clamores do povo, precisa fazer urgentemente um plebiscito! Oi? Plebiscito? Quem disse que quer plebiscito? E que tanta urgência é essa? A gente até desconfia, né?! E a gente desconfia, sabendo ou não o que é plebiscito. Uma coisa eu garanto: se vem do governo, não é bom.
O pai da família, na crônica de Arthur Azevedo, já desconfiava que, plebiscito, coisa boa não é...

PLEBISCITO
(Arthur Azevedo)

A cena passa-se em 1890.

A família está toda reunida na sala de jantar.

O senhor Rodrigues palita os dentes, repimpado numa cadeira de balanço. Acabou de comer como um abade.

Dona Bernardina, sua esposa, está muito entretida a limpar a gaiola de um canário belga.

Os pequenos são dois, um menino e uma menina. Ela distrai-se a olhar para o canário. Ele, encostado à mesa, os pés cruzados, lê com muita atenção uma das nossas folhas diárias.

Silêncio


De repente, o menino levanta a cabeça e pergunta: 

— Papai, que é plebiscito?

O senhor Rodrigues fecha os olhos imediatamente para fingir que dorme.

O pequeno insiste: 

— Papai?

Pausa:

— Papai?

Dona Bernardina intervém: 

— Ó seu Rodrigues, Manduca está lhe chamando. Não durma depois do jantar, que lhe faz mal.

O senhor Rodrigues não tem remédio senão abrir os olhos. 

— Que é? que desejam vocês?

— Eu queria que papai me dissesse o que é plebiscito.

— Ora essa, rapaz! Então tu vais fazer doze anos e não sabes ainda o que é plebiscito?

— Se soubesse, não perguntava.

O senhor Rodrigues volta-se para dona Bernardina, que continua muito ocupada com a gaiola: 

— Ó senhora, o pequeno não sabe o que é plebiscito!

— Não admira que ele não saiba, porque eu também não sei. 

— Que me diz?! Pois a senhora não sabe o que é plebiscito? 

— Nem eu, nem você; aqui em casa ninguém sabe o que é plebiscito.

— Ninguém, alto lá! Creio que tenho dado provas de não ser nenhum ignorante!

— A sua cara não me engana. Você é muito prosa. Vamos: se sabe, diga o que é plebiscito! Então? A gente está esperando! Diga!...

— A senhora o que quer é enfezar-me!

— Mas, homem de Deus, para que você não há de confessar que não sabe? Não é nenhuma vergonha ignorar qualquer palavra. Já outro dia foi a mesma coisa quando Manduca lhe perguntou o que era proletário. Você falou, falou, falou, e o menino ficou sem saber!

— Proletário — acudiu o senhor Rodrigues — é o cidadão pobre que vive do trabalho mal remunerado.

— Sim, agora sabe porque foi ao dicionário; mas dou-lhe um doce, se me disser o que é plebiscito sem se arredar dessa cadeira!

— Que gostinho tem a senhora em tornar-me ridículo na presença destas crianças!

— Oh! ridículo é você mesmo quem se faz. Seria tão simples dizer: — Não sei, Manduca, não sei o que é plebiscito; vai buscar o dicionário, meu filho.

O senhor Rodrigues ergue-se de um ímpeto e brada: 

— Mas se eu sei!

— Pois se sabe, diga!

— Não digo para me não humilhar diante de meus filhos! Não dou o braço a torcer! Quero conservar a força moral que devo ter nesta casa! Vá para o diabo!

E o senhor Rodrigues, exasperadíssimo, nervoso, deixa a sala de jantar e vai para o seu quarto, batendo violentamente a porta.

No quarto havia o que ele mais precisava naquela ocasião: algumas gotas de água de flor de laranja e um dicionário...


A menina toma a palavra: 

— Coitado de papai! Zangou-se logo depois do jantar! Dizem que é tão perigoso!

— Não fosse tolo — observa dona Bernardina — e confessasse francamente que não sabia o que é plebiscito!

— Pois sim — acode Manduca, muito pesaroso por ter sido o causador involuntário de toda aquela discussão — pois sim, mamãe; chame papai e façam as pazes.

— Sim! Sim! façam as pazes! — diz a menina em tom meigo e suplicante. — Que tolice! Duas pessoas que se estimam tanto zangaram-se por causa do plebiscito!

Dona Bernardina dá um beijo na filha, e vai bater à porta do quarto: 

— Seu Rodrigues, venha sentar-se; não vale a pena zangar-se por tão pouco.

O negociante esperava a deixa. A porta abre-se imediatamente.

Ele entra, atravessa a casa, e vai sentar-se na cadeira de balanço.


— É boa! — brada o senhor Rodrigues depois de largo silêncio — é muito boa! Eu! eu ignorar a significação da palavra plebiscito! Eu!...

A mulher e os filhos aproximam-se dele.

O homem continua num tom profundamente dogmático:

— Plebiscito...

E olha para todos os lados a ver se há ali mais alguém que possa aproveitar a lição.

— Plebiscito é uma lei decretada pelo povo romano, estabelecido em comícios.

— Ah! — suspiram todos, aliviados.

— Uma lei romana, percebem? E querem introduzi-la no Brasil! É mais um estrangeirismo!...

Comments:

This page is powered by Blogger. Isn't yours?

Site Meter